quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Acordando o Mundo Antigo




Não sei do que gosto mais, se é do Mundo Antigo ou da impressão que dele tenho. É angustiante mas não dá pra saber com precisão como foi aquele período. Temos ruínas, tabletes de barro, fragmentos, bustos, narrativas folclóricas etc, mas tudo isso só serve para delinear a forma que essa era assumiu, deixando-nos com uma terrível escassês de detalhes. Preenchemos esses espaços vazios no quebra cabeças usando de nossa imaginação e de um tipo de intuição histórica.


É então que damos ao branco as cores que gostamos mais. Um sujeito obcecado por Roma, como Nietzche por exemplo, dá mais ênfase na força e na sofisticação que esse povo tinha em contraste com a fraqueza e o embotamento característicos do cristianismo. Outra pessoa poderia, porém, dizer que era um período abominável pois nele eram comuns a escravidão e o excesso de violência. Podemos dizer que um dos dois está certo e o outro errado? Claro que não, pois ambos estão certos. É importante ter uma noção circunspecta dos fatos quando se trata de história. E mais ainda quando estamos falando de história antiga, quando não existem testemunhas vivas para nos informar sobre o que é ou não verídico.



Nos filmes épicos tentam reconstruir cenários, roupas, costumes etc, mas no final o que predomina mesmo é a visão contemporânea de mundo e o foco nada neutro do diretor. Acaba que temos uma visão glamourosa ou terrível e mesmo quando há um equilíbrio entre ambas, ainda assim sabemos estar longe das coisas como ocorreram.

Eu pessoalmente gosto muito de filmes épicos, mas não é por serem verídicos. Gosto de ver o esforço em tentar ser fiel a uma época que já passou e que descansa no inconsciente coletivo da humanidade. Quanto mais eles se esforçam, mais eu gosto do filme. Dá pra perceber quando esse esforço é verdadeiro. Ainda assim em momento algum penso nestes filmes como documentos históricos. São viagens e confabulações, algumas mais bem sucedidas do que outras.




O que acontece em nossas mentes é semelhante. Por mais que se estude história, em livros, documentos, documentários etc, ainda assim o que irá predominar será o nosso foco, consequentemente uma visão encharcada de nós mesmos. Tento me esforçar pra que meu foco não seja marcado demais nesse sentido, mas o máximo que consigo é uma eterna tentativa de neutralidade que sei que está fadada ao fracasso.





Pra que continuar com essa paixão se tal neutralidade histórica é impossível? Primeiro pelo fato de que posso acabar resgatando alguma coisa dos velhos tempos, ainda que algo microscópico e insignificante, mas substancial no fim das contas. Sei que a humanidade já esteve configurada em outros moldes e em cada um deles foram perdidos detalhes importantíssimos, que fariam do ser humano uma criatura melhor.

Eis a função da história: Impedir que velhos erros se repitam e libertar fantasmas de noções enterradas pelas culturas "vencedoras", que se viessem á tona fariam da humanidade uma espécie mais avançada ou ao menos mais interessante.

Mas existem outros motivos, tais como ser um mundo muito diferente do nosso, como lembranças de uma civilização de um outro planeta, ainda que não tão distante assim do nosso. O cristianismo nos entupiu de "frescuras" de todo gênero, com a introdução do pecado e alguns valores morais pra lá de desnecessários. Assim, se antes tínhamos uma sociedade onde se valorizava atos de coragem e força de vontade, hoje são mais valorizados atributos como fé, humildade e perdão. Se antes éramos lobos agora somos cordeiros e cordeiros muitíssimo bem adestrados por padres, professores, família, exército etc.




Não é a toa que Nietzche em "Genealogia da Moral" ressalta que nos tempos antigos as pessoas usavam os Deuses como desculpa para suas ações, não importando o quão amorais estas fossem. Um assassinato poderia tanto ser resultante de uma tentação de Ares ou mesmo numa oferenda para ele, idem quanto a um ato mais valoroso, tal como um ato de coragem ou mesmo do mais genuíno amor pelo outro. Com o advento da igreja, as pessoas evocam seu deus único como um modo de evocar seu próprio senso de "consciência pesada", outra limitadora invenção Cristã.

Tal diferença de paradigma é o ponto central dessa paixão pelo mundo antigo que não consigo parar de alimentar. Até mesmo religiosamente estou sempre a relembrar velhos Deuses das mais diversas culturas nos festivais sazonais, em determinadas luas ou quando sinto que é propício. Embora não descarte a possibilidade, não tenho muita fé nos Deuses como entidades místicas de poderes sem explicação, mas ao contrário, entidades que carregamos dentro de nós, que representam aspectos da vida dos vivos e não da vida pós-morte como enfatizam os cristãos. Sei que me concedem poder, mas é um poder natural e não sobrenatural, cuja poética ao invés de limitar, impulsiona.




Então posso afirmar que essa forma totalmente pessoal de lidar com o paganismo, e mesmo com o conceito de religião em si, está mais próximo do ateísmo do que de qualquer outra doutrina religiosa. Nesse sentido, sou capaz de afirmar que uma religião não limitadora de nossa capacidade à plenitude seja possível, mas só se nos embasarmos num ponto de vista íntimo ao invés de apoiado em livros sagrados, dogmas e instituições.



Nunca me esquecerei das palavras de um amigo meu, doente pela cultura suméria, sobre uma tradição que tinham de terem em casa altares personalizados dedicados a seu próprio Deus interior, pros quais ofereciam perfumes, comidas e jóias, alimentando assim, psicológicamente, o poder de si mesmos ante o mundo e não simplesmente entidades externas que a todos regem. Somando isso a uma vida sexual nada reprimida acaba-se metendo o dedo na ferida do cristianismo e sua moral. Não é a tôa que a bíblia descreve com tanto drama a destruição de Sodoma e Gomorra, nem que as escolas tenham se esforçado tanto para manter no esquecimento o que não fosse conveniente ao poder vigente ou que todos os representantes deste mesmo poder estejam sempre arrodeados de padres ou apoiados em bandeiras moralistas.





Tais bandeiras moralistas já eram ultrapassadas na antiquidade pre-cristã. Isso nos dá uma sensação estranha e cíclica de que o futuro parece estar fazendo uma curva rumo ao passado distante e á noções "de vanguarda" que há muito se perderam sob as ruínas daquelas grandes batalhas que delinearam todo o nosso mundo presente com sua lâmina excludente. Afinal, grandes batalhas não necessariamente são grandiosas.