quarta-feira, 14 de julho de 2010

Athame





Athame
 
Fincado em latejante rubi não mais!
Entardece feito espada
De muitas forças constituída a lâmina:

Singelo olhar vedado
de silêncio que abre a caixa de si
No relâmpago feito altar

Corta banalidades 
em toda parte assentadas
qual cinzas de um vulcão
que queima noite
dia adentro

Dos cortes sangue não derrama
mas música aos litros
Na cicatriz a forma de um sorriso 
denso nos céus

A sua estrela 
Em algum lugar de toda parte

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Máquina do Tempo


"Se acaso não revolvo ilusões no pensamento, o oráculo da Deusa é justo, é pio, não nos ordena o mal, não quer um crime. A grande mãe, que ouviste, a mãe de todos é a Terra; a meu ver são os seus ossos as pedras, e essas diz, que ao chão lancemos."

                                                                                                              As Metamorfoses - Ovídio



   Antigamente, atribuíamos um valor diferente do que hoje com os objetos de arte. Existe uma diferença  financeira. Antes eu precisava gastar uma fortuna para comprar livros, discos, quadrinhos, filmes. Passava o ano sonhando com determinado objeto estético de desejo, juntando dinheiro para comprar e adiando infinitamente para frente. Até que veio a internet.

   Depois da internet as coisas foram facilitadas maravilhosamente. Hoje em dia posso até comprar um cd, filme, quadrinho (livros eu compro sempre mesmo pois detesto ler na tela), mas de um modo geral absorvo a maior parte antes, pela internet, só decidindo depois se vale mesmo a pena investir dinheiro ou não. Acredito que isto esteja nos tornando cidadãos cada vez mais exigentes quanto ao que se consome do multiverso cultural. Ou ao menos assim deveria ser.
   
   Acaba que o valor das obras agora tem algo a ver com tempo e vida. Ou melhor, tempo de vida. Temos acesso a tanta coisa, mas tanta coisa, que não dá pra mastigar tanta informação. Então vamos engolindo, nos emporcalhando de cultura. Pouco ou nada degustando, muitas vezes. O antídoto: Escolher direito o que se consome na internet, ainda que não se vá gastar dinheiro com tal bem virtual. Eis o único modo de gastarmos nosso precioso tempo, que não é dinheiro como costumavam dizer, mas vida rolando, acontecendo, ladeira abaixo... Aproveitemos, ora!

   Existem muitos critérios para se apreciar objetos de arte multimidiáticos. Nem sempre se trata de critérios estéticos, embora seja bom. Hoje pretendo tratar de uma das minhas motivações na hora de escolher (e mesmo gastar dinheiro) com qual obra gastarei aqueles preciosos momentos de existência: Tempo. 
 
   Isso mesmo. É possível viajar no tempo. De uma maneira completamente abstrata, intelectual, emocional, mas é melhor do que nada. E dependendo da obra pode-se ir longe. Para ir ao passado por exemplo. Ás vezes fico pensando em como estaríamos todos se estivéssemos vivendo nos anos 50. Então escuto um disco, vejo um filme, leio um livro escrito na época, de forma a mergulhar naquela outra fase da história, degustando-a, sentindo seu aroma, sua deliciosa diferença em relação à época em que vivemos.



   Dentre as minhas predileções de viagem ao passado (não é mistério para quem passa alguns minutos clicando em meu blog), estão as jornadas ao mais distante passado, no mundo antigo. Me delicio com mitologia grega, com Platão, Heráclito, Ovídio, O Livro dos Mortos Egípcio, Édipo Rei, Mil e uma noites, A Epopéia de Gilgamesh etc. Sei que o jargão é difícil, quase como se houvesse um código impenetrável, uma senha para se acessar um pouco do sabor daqueles tempos. É meio fetichista, eu sei, mas o prazer é tanto que compensa cada uma das minhas conferidas diárias de dicionário (esses sim, muito mais fáceis de se conferir pelo computador do que em livros de papel, recomendo o Houaiss 3.0). Após decifrar as palavras obscuras, aí é só retomar o texto do início e mergulhar fundo, rumo a outro tempo, outro mundo... 

   Pode-se também viajar para o futuro. Para tanto basta ficar de olho no que está além de nosso tempo no mundo das artes. Geralmente são coisas não muito populares (mas estarão no futuro, distante ou não, pode apostar). No cinema, procure os filmes considerados "de arte". Pode ser que não os absorva com facilidade no início (assim como as coisas ultra antigas), mas não desista, através da persistência (e talvez um pouco de pesquisa) dá para encarar, e como sendo uma grande aventura para qual se exige preparo e não como meros momentos de entretenimento burro com o qual estará torrando sua existência. 



   Recomendo um que vi essa semana: "Um Homem Sério", o mais novo dos irmãos Cohen, com seu peculiar senso de humor, sua direção criativa e sensacional, e o melhor: seus finais inusitados. O faço por lembrar de quando não gostava deles, nos primeiros a que tive acesso. Mas algo me movia a ver outras obras desses sujeitos, o que acabou me levando a compreende-los melhor e mesmo a ama-los em alguns momentos geniais. Já ouvi muita gente reclamando deles (e de seus finais de filme), mas a estes peço que reflitam: Por que tais finais lhes são tão incômodos? Minha resposta particular é essa: Estamos viciados nos finais de sempre, nas estruturas de sempre. Ao tentar nos apresentar um final inusitado, eles dão um passo adiante, para fora do ciclo entediante, para além de nossa, muitas vezes repetitiva e massante, pós-modernidade.

   Citei os filmes de arte só como exemplo. Em todos os campos da cultura é possível achar esses portais para o futuro. Na literatura então, tem alguns fantásticos! Recomendo: "Contos de Maldoror" de Lautreamont e(ou) "Grandes Sertões Veredas" do Guimarães Rosa, lembrando que não se tratam de livros futuristas pelo tema, e nem mesmo foram escritos agora, mas pela estética da linguagem a transbordar para fora do lugar comum.


   Lembre-se disso: Arte não serve só para ser apreciada pela sua beleza, sua inovação ou pelos milhões de dólares que se gasta para produzi-la (ou quem sabe adquiri-la), mas também, e muitas vezes principalmente, para viajarmos no tempo, seja para o passado, seja para o futuro. O presente já se encontra em toda parte...




quinta-feira, 17 de junho de 2010

Livros Infinitos



  Geralmente quando lemos um livro,  logo nos enchemos de expectativas quanto ao seu final, sobre o porquê de o estarmos lendo e mesmo sobre os próximos livros depois deste. Pelo menos comigo esse tipo de pensamento sempre foi meio automático, quase irresistível, e acredito que não sejam de exclusividade minha tais ansiedades. 

   Pois bem, à umas duas semanas coloquei em prática um velho projeto, a organização de meus paideumas, listas contendo o que há de melhor para se ler (embora também se possa fazê-los em relação a outras mídias, mas no momento me concentro nesta). Me baseei em diversos parâmetros, sendo os principais: Estética, nostalgia e alma. No enfoque estético, por exemplo, destacaram-se autores como James Joyce e Guimarães Rosa. Em termos de nostalgia, algumas leituras de formação, que apesar de fracas para o meu conceito hoje em dia, merecem lugar na minha estante, tais como o já citado por aqui: "Os passageiros do futuro" da Coleção Vagalume e "Ilusões" do autor de "Fernão Capelo Gaivota", Richard Bach. E para finalizar meus exemplos, no quesito alma, estão aquelas obras que me tocam independentemente de terem algum poder estético ou terem marcado a história de minha vida em algum nível,  que possuem um algo mais que não consigo ignorar, tais como a narrativa mais antiga de que se tem registro: "A Epopéia de Gilgamesh" (Anônimo) ou "O Lobo da Estepe" de Herman Hesse. 




   Usando tal parâmetro, fui sacrificando um bocado de obras, tanto reais (tirando de minha estante e vendendo em sebos) quanto virtuais (tirando de minhas listas de compra para o futuro). No fim das contas o início de meu investimento foi bem sucedido. Adquiri umas 4 obras do meu paideuma, apesar de ter tido que vender umas 20, mas posso afirmar que valeu a pena. E manterei esse caminho até ter cumprido o objetivo de preencher minha estante com as selecionadíssimas obras cobiçadas, bem como ler todas elas, claro. E quando acabar? Bem, não vou dizer algo dramático como: "Jamais lerei algo fora do meu paideuma", mas posso afirmar sem dificuldade que tais obras serão raras, tendo como pre-requisito uma intuitiva propensão a fazerem parte deste seleto grupo de livros. No mais é ficar dando voltas mesmo, em torno das obras que importa ler.


   Este conceito é de fato novo pra mim, ler as mesmas e melhores obras eternamente. Sempre fui adepto das novidades, de um anseio por ler mais coisas ótimas ao invés de ficar rodando em contemplativos círculos em torno de algumas poucas. Acontece então que tenho sofrido uma incrível reviravolta no meu modo de ler. Agora, quando leio um livro do meu paideuma, consigo ler sem pressa (verdadeiramente), tomando o cuidado de voltar e reler algum parágrafo por qualquer motivo que seja (até mesmo sem motivo), desfrutando ao máximo do meu poder de parar o tempo, de volta-lo, talvez até avança-lo, mas enfim, usufruir o livro de uma forma inédita, posto que não carrega o peso funcional de ter que chegar ao fim, no que só nos sobra saborear as páginas, sem qualquer outro compromisso que não este. 

   Algum tempo atrás ouvi falar de um movimento oposto à leitura dinâmica, que defende uma bandeira similar a que estou expondo neste post. Defendem não apenas ler os livros com o máximo de lentidão possível, como também fazer outras atividades com o mesmo senso. Não tiro deles a razão e a genialidade por tal idéia, mas o fato é que só se mergulha nesse tipo de aventura com a alma pronta para isto. Quanto mais jovens, mais naturalmente ansiosos e, consequentemente, mais longe desse tipo de façanha legente. Mas se acha que é capaz de tal aventura, experimente leitor, pois se a pressa é mesmo inimiga da perfeição, então uma leitura perfeita não pode prescindir dos prazerosos poderes de uma proposital lentidão.


sexta-feira, 11 de junho de 2010

Interlúdio Ocasual




Largar o mundo
do dia, da noite

Mergulhar no imarcescível silêncio
Banhado em quietude
em lembrar do porque largar
Do largar o que

Antes do retorno
ao mergulho no insciente mundo
da noite, do dia




quinta-feira, 3 de junho de 2010

Ezra Quem?



E ASSIM EM NÍNIVE

"Sim! Sou um poeta e sobre minha tumba
Donzelas hão de espalhar pétalas de rosas
E os homens, mirto, antes que a noite
Degole o dia com a espada escura.

"Veja! não cabe a mim
Nem a ti objetar,
Pois o costume é antigo
E aqui em Nínive já observei
Mais de um cantor passar e ir habitar
O horto sombrio onde ninguém perturba
Seu sono ou canto.
E mais de um cantou suas canções
Com mais arte e mais alma do que eu;
E mais de um agora sobrepassa
Com seu laurel de flores
Minha beleza combalida pelas ondas,
Mas eu sou poeta e sobre minha tumba
Todos os homens hão de espalhar pétalas de rosas
Antes que a noite mate a luz
Com sua espada azul.

"Não é, Ruaana, que eu soe mais alto
Ou mais doce que os outros. É que eu
Sou um Poeta, e bebo vida
Como os homens menores bebem vinho."

Ezra Pound (tradução de Augusto de Campos)


   Ezra Pound nasceu em Hailey, Idaho, em 30 de outubro de 1885 e morreu em Veneza, no dia 1 de novembro de 1972.  Poeta, músico e crítico, foi uma das maiores figuras do movimento modernista da poesia do início do século XX, tendo como principal obra (e mais conhecida), os seus "Cantos", que escreveu até o fim da sua vida, incansável. 

   Não sei se é pelo aspecto complexo e intrincado de sua escrita, ou pela vertiginosa erudição, mas não é fácil encontrar referências a esse artista. Se você pesquisar com afinco, encontrará alguma informação, caso contrário só posso dizer que não chega fácil ás mãos como outros autores, até mais labirínticos, como James Joyce.

   Digo isso após pesquisar no google, em diversos sites e mesmo em livrarias, enquanto procurava comprar meu volume de seus "Cantos". Um calhamaço de mais de 800 páginas traduzido por José Lino Grünewald, sobre o qual a maioria dos livreiros respondia: "Era Ponde? Ezra quem? Nunca ouvi falar...". Depois até pensei em outra explicação que pudesse ter contribuido para essa ignorância a seu respeito: O fato de ter se afiliado ao fascismo em 1945, coisa que o tornava maldito não apenas literaria, mas literalmente. 

   Para mim também foi um susto. Minhas tendências ideológicas não tendem nem para a esquerda nem para a direita, mas para uma forma personalizada de anarquismo,  radicalmente averso a qualquer forma de fascismo. Mas aqui adentrei numa velha discussão que costumava ter com os amigos, que se resume na questão: 

"É possível gostar de uma determinada música, filme ou livro, sabendo que quem a criou foi um filho-da-puta?"

   Nessas horas é necessário que o senso estético se aproxime do científico, no sentido de não misturar as coisas, focando na obra e não na vida, na aparência ou sequer na ideologia do artista, por mais difícil que seja. Acontece no entanto, que os leitores de hoje são ávidos por biografias, o que resulta em uma paixão pela história de quem escreve mais do que pela obra em si (se lançam um filme a seu respeito então, as vendas decolam!).

   Mas enfim, como um anarquista inrustido como eu conheceu e aprendeu a gostar de Ezra Pound? 
Tudo começou com meus estudos de teoria literária, na faculdade de Letras. O livro "ABC da Literatura" é uma obra impressionante e foi com ela que aprendi a ser mais seletivo a respeito do que leio. Conceito esse considerado por muitos como elitista por ser excludente quanto a obras tidas como "á margem" da crítica.

Reconheço que é bacana essa abertura em relação ao que foi deixado historicamente de lado, mas não se pode negar que o escancaramento da crítica tem seu lado negativo, uma vez que torna praticamente tudo (qualquer merda) válido.

Ora, já que a crítica não é mais tão seletiva quanto Pound o propunha que deveria ser, devemos aplicar isto a nós mesmos, e por um motivo prático acima de tudo: O fato de que não viveremos pra sempre. Portanto é melhor selecionar o que há de melhor para se ler no curto prazo de uma vida. Baseie-se no critério que achar melhor, mas tenha critério. Foi isso o que aprendi com Pound, e foi o que me atraiu a conhecer sua obra poética. 

   Pela internet, conheci um poema maravilhoso dele. Gostei tanto que direcionei minhas forças a conseguir o tal livro dos "Cantos", sem muito saber a respeito. Foi um bom investimento com certeza, mas após ler a metade dos cantos e folhear o livro de todas as maneiras possíveis, começando do meio, do fim, do início, sorteando cantos etc, percebi que o tal poema pelo qual me apaixonara não estava nesta obra. 
 
Comecei a procurar por outras obras traduzidas, em todos as grandes livrarias virtuais que conheço. Saraiva, Martins Fontes, Cultura, Leitura, nada em nenhuma delas, nada além dos "Cantos". Então resolvi procurar pelo nome do tradutor daquele poema, Augusto de Campos. Foi quando descobri que tanto ele quanto seu irmão Haroldo e outros do movimento concretista, haviam dado bastante atenção ao velho Ezra, chegando a escrever ensaios sobre ele e fazer umas boas traduções de sua obra. O nome do livro em que estava meu poema, que para mim já alcançara status fetichista é: 

EZRA POUND - POESIA (com D. Pignatari, H. de Campos. J. L. Grünewald e M. Faustino). Organização, introdução e notas de A. de Campos), São Paulo, Hucitec, 1983. 

(conforme copiei do site oficial do Augusto: http://www2.uol.com.br/augustodecampos/home.htm)

   Nem tão surpreso assim, descobri que esse livro (que só acharia colocando A. de Campos na busca por autor, e não E. Pound) também não era encontrado em nenhuma daquelas livrarias virtuais que acabo de citar. Só mesmo quando procurei no site da tal HUCITEC, por 60 reais. Segue o link:

http://www.hucitec.com.br/loja/produtos_descricao.asp?lang=pt_BR&codigo_produto=1778

   Sem a menor previsão de quando terei grana para comprar essa obra, o jeito é me contentar em guarda-la no computador, transcreve-la no papel, imprimi-la para guardar, pra ler e reler e, obviamente, trazê-la para este blog. Lembrando que a retirei deste site aqui, muito bom:
  
   Sim, o poema é o que abre este post. Só deixo agora o questionamento: 

Fascista, psicopata, alienígena, cor de rosa, com duas cabeças, medium, robô, enfim, importa mesmo tanto assim saber da vida de quem escreveu? Isso tornará este poema (e o conjunto de sua obra) menos ou mais grandioso? 

Quem não achou lindo o poema, que se atire a primeira pedra.




sábado, 29 de maio de 2010

Histórias Longas




    Por que tanto fascínio com histórias alongadas? Por que existe um contínuo mercado preparado para sustentar esta cada vez mais crescente demanda por romances longos como a trilogia "Senhor dos Anéis"; Novelas da globo e outros canais nos mais diversos horários, diáriamente; Pelo menos uma centena de séries norte-americanas, européias e latinas todos os anos; Sequências de filmes, como Star Wars com seus 6 episódios (sem contar as animações); Jogos de video game como Silent hill que já vão de 0 a 5, com mais continuações planejadas para adiante; E por fim os quadrinhos, onde nem se fala no tamanho, muitas vezes descomunal, das sagas. Não, essa resposta do mercado não é casual, e muito menos o sentimento que incita essa demanda.


    É engraçado que nestes tempo.s apressados isso aconteça. Quando tudo o mais aponta para textos mais enxutos, histórias concisas em formato de conto, longas metragens com início meio e fim num prazo máximo de 90 minutos, microblogs como o twitter e discos Ep com meros 30 minutos de duração, ainda existe uma parcela mais do que significativa da população que ainda prefira as narrativas mais longas.


   Existem romances e romances. Há aqueles que se destaquem por um núcleo de 200 páginas onde a trama realmente ocorra, envolto por uma aura de 300 páginas de pura enrolação, assim como existem também romances sem uma página sequer de futilidade e enfeites narrativos. O mesmo pode-se dizer de outros formatos, tais como as séries de tv, embora isso costume ser mais a exceção do que a regra. Independente disso, no entanto, sempre existirá aquela parcela, não tão inferior assim do que esta, que independente da qualidade ali comprovada, ainda opte por narrativas curtas que compreendam, naquele espaço de reduzida temporalidade, uma qualidade alta o suficiente pra que se dispense as séries por completo (idem quanto ao romance e outros formatos). 


   Mas onde está a noção disso naqueles que optam por esse tipo de trama? A verdade é que certas pessoas se apegam tanto a um determinado tema e (ou) personagens, que acabam por escolher as versões longas, que, tirando a questão da praticidade temporal, podem sair ganhando em outros quesitos, como por exemplo o desenvolvimento das personagens. Num filme, por melhor que seja, não temos o mesmo desenvolvimento dos heróis, vilões e coadjuvantes, do que se poderia ter numa série. 
 
  Em "Twin Peaks", por exemplo. Se David Lynch a tivesse feito para o formato de filme e não de série, é certo que teríamos uma outra noção do agente Dale Cooper. Provavelmente continuaríamos gostando dele, mas com o prolongado período que o formato das séries permite, não nos limitamos ao gostar, nós nos apaixonamos por ele. E isso acontece em todas as boas séries. O Dr.  House da série de mesmo nome, fica cada vêz melhor a cada episódio; Os personagens de Battlestar Galactica tornam-se mais complexos e maduros a cada temporada, num amadurecimento que podemos perceber também nos atores, posto que vão ficando especialistas em interpretar e aprofundar aquela determinada máscara de expressão.




    As vezes tenho a impressão de que não são tão levadas a sério as séries, tanto como o são os filmes. Também não é sempre que se vê bons diretores de cinema trabalhando nelas. Mas se por acaso ficar sabendo que Copolla está fazendo algo, que David Lynch está em um novo projeto do tipo, ou quem sabe até um desses que jamais se esperaria numa empreitada do tipo, talvez Godard por exemplo ou Herzog, pode estar certo de que a coisa tem potencial para dar muito certo, uma vez que eles usariam as noções adquiridas no cinema para um formato mais extendido do que costumavam, sem a preocupação de cansar os telespectadores, afinal trata-se de uma longa história dividida em partes. 
 
   De todo modo, existem já alguma séries que já estão entrando para o hall das grandes séries, bem como acontece comumente com o cinema. Dentre elas posso citar algumas que acabo de citar neste post, tais como "Twin Peaks" de David Lynch, que em meras duas temporadas conseguiu construir todo um universo paralelo; "Roma", de Bruno Heller, não é boa apenas por ser a segunda série mais cara da história (atualmente está atrás de "The Pacific" de Steven Spielberg) mas por ter personagens históricos representados em atuações impecáveis, por atores nem tão conhecidos assim mas que acabaram dando um show. Isso sem contar com a incrível ambientação, nos remetendo ao sabor do mundo antigo; "Battlestar Galactica" de Ron Moore, por sua vez, consegue a proeza de, em meras 4 temporadas, derrubar de seus tronos séries consagradas, como "Star Trek" e "Star Wars". Com uma história meticulosamente bem contada, uma trilha sonora divina, bons atores e personagens bons o suficiente para que não se consiga decidir por um favorito, a série acaba por nos deixar excessivamente exigentes com as outras que vamos assistindo por aí.


   Novas e ótimas séries vão aparecendo. Uma que ainda está no ar é "Dexter", que conta a história de um psicopata e serial killer, que usa seu distúrbio "para o bem", assassinando criminosos desalmados nas horas vagas, e mantendo a fachada de homem de família, trabalhando para a polícia e tudo mais. 

Enfim, deixo no ar essa reflexão: Será que os homens da caverna já tinham o costume de contar histórias em capítulos, todas as noites, a beira da fogueira? Ou será que era preferível as tramas fechadas e curtas? 

Seja como for, acredito ser pre-histórico o hábito de se reunir em locais escuros em torno de uma fonte de luz para compartilhar narrativas. A diferença é que antes usávamos cavernas e fogueiras, sendo que agora usamos as salas escuras dos cinemas, ou quartos escuros com tvs, computadores e mesmo celulares. Não importa a época, a plataforma, o contexto, importa mesmo é o que acontecerá no episódio de hoje...



terça-feira, 18 de maio de 2010

Ingenuidade e Escrevência



Esse negócio de ingenuidade não tem muito remédio não, embora ter consciência dela possa permitir uma percepção inédita da realidade que deixamos que nos cerque. Ao olhar para o passado então, é possível ver enfileirados os inumeráveis erros e acertos que essa frágil força delirante incita a cometer.

Nos dias de hoje? Ah, é igualzinho a antigamente, mas quando se tem consciência do mecanismo é muito mais estranho e desanimador. Essa percepção tem me levado cada vez mais á conclusão de que não nasci para viver em sociedade. Outros prazeres antissociais no entanto tem seu sabor amplificado. Preguiça internetal embebida em séries, leituras, filmes, desenhos pra ver com o filhão, ficar quieto em casa namorando com a minha gata...

Do outro lado do processo, está o escritor solitário das madrugadas, quebrando em gravetos menores sua antiga vida, a fim de com eles alimentar a fogueira do livro que, publicado ou não, será feito. E feito de alma.

Ah, quanto ao assunto da ingenuidade? Já disse, não tem remédio. Talvez usa-la ao meu favor, como aqueles escritores presos que heroicamente usam o cárcere como ninho para seus livros. 

Pode a ingenuidade, em algum nível, tornar-se um ninho para meus livros? Sabe que é até possível? Afinal, só sendo muito ingênuo para, nos dias de hoje, apostar a vida na escrevência.