quarta-feira, 5 de março de 2008

Taticas de sobrevivência para reinar sobre o caos reinante - parte 1


“Basta apenas um nada para que se produza a centelha”

Herman Hesse – O Lobo da Estepe

Antigamente, mas nem tanto assim, as pessoas eram mais centradas. Os estímulos eram em menor número do que agora o são. O escritor de ontem olhava para o mar, o céu, as paredes, as pessoas, outros livros. Hoje quem escreve vive cercado por televisão, Internet, celular, vídeo game, jornais, revistas etc. Acaba não lhe sobrando muito tempo para olhar, como faziam seus antecessores de outrora, coisas como o mar, o céu, as paredes e as pessoas, quanto menos para livros.


Agora pensemos na diferença entre essas mentes tão distanciadas cronologicamente. O antigo escritor pensava em termos de experiência e suas idéias nasciam justamente de intervalos de vazio entre um e outro pensamento pedindo para ser derramado sobre o papel. O novo escritor pensa em termos de informação, sua mente está abarrotada de textos sobrepostos, de modo que nasce sua escrita a partir de milhares de interligações, colagens intermináveis onde não se reconhece onde começam e onde terminam os textos ali montados.


Se aquele texto de ontem era nascido de um foco mais centrado, que tipo de textos pariremos hoje, tão soterrados de estímulos descentradores?


Basta compararmos os autores e veremos que antes havia uma qualidade que a cada dia parece mais difícil de ser atingida ou superada. Não é só a falta de tempo para se dedicar a uma determinada idéia, mas também a correria, um senso de pressa que aos poucos vai se tornando automático em nossas vidas, sem que o percebamos, muitas vezes. Na pressa o pensamento não se demora, não se permite o aprofundar, centrar-se enfim. Conseqüentemente o texto de hoje nasce correndo, é lido enquanto corremos, é pensado na correria e provavelmente será esquecido em poucos minutos.





Há quem pense em fugir de tudo isso, dando as costas à realidade e se isolando em sua torre, ou caverna ou o que seja, desligando na marra todas essas distrações. Talvez até funcione, só não sei como esse sujeito hipotético poderia sobreviver. Já outros não se podem dar a um luxo desse tamanho, então precisam se adaptar, aprendendo e desenvolvendo estratégias para ao menos tentar usar tudo isso ao seu favor e, quem sabe, não consiga assim ao menos um textinho um pouco menos superficial do que todos os demais? Opto pela segunda opção pois quero sobreviver e não por desprezar os que escolham a primeira, muito pelo contrário.


E então, quais têm sido minhas táticas para lidar com esse dilema e quem sabe chegar perto de responder a questão anterior? Sei que isso não é tarefa de um ensaio só, mas citarei pelo menos duas neste capítulo e espero que minha mente (ou quem sabe a sua, leitor?) nos presenteie com mais delas em um texto posterior.




1)Raw Power: Em primeiro lugar algo que já até citei no meu ensaio sobre os textos pré-apocalípticos. Uma empolgação desesperada que ignora todo tipo de formalidade que impeça o escrever. Os riscos de se produzir uma escrita horrível a partir disso são grandes, eu sei, mas por outro lado isso nos estimula a aprender através da prática pura mais que por critérios literários sisudos. Ainda por cima nos arriscamos a produzir um ou outro texto legal pelo caminho. Não pretendo ficar me repetindo sobre o quanto o formato blog é perfeito para esse tipo de prática, pois acho que já está claro.


2)Transe xamânico: Tenho pensado no excesso de estímulos, em como usá-los ao invés de continuar a ser usado por eles. De imediato vou logo pensando nos xamãs e em suas técnicas para falar com os Deuses. O princípio era o mesmo. Eles pintavam seus corpos, tocavam tambores, dançavam até cair, tinham alucinações visuais após ingerir substâncias psicotrópicas. Enfim, promoviam um excesso de estímulos que lhes desnorteasse todos os sentidos. No auge desse tipo de prática mágica há uma pausa, um vácuo, como o olho do furacão. É bem aqui, nesse ponto, que os xamãs tinham suas visões e literalmente falavam com seus Deuses.


Não é tão simples quanto parece. O excesso de informações com que todos os nossos sentidos são bombardeados diariamente não faz da Terra um planeta povoado por multidões de xamãs. Na verdade o processo é mais perverso do que se pode imaginar. O fato é que essa noção da “consciência mágica” já foi absorvida pelo racionalismo moderno faz tempo e tem sido utilizada para voltar essa mesma “magia” contra as massas, mantendo todos em um constante estado de torpor mágico, de delírio apressado, sem nunca permitir um aprofundamento que não seja voltado ao consumismo e ao fetichismo da mercadoria. Deste modo, o que os xamãs usavam para atingir níveis alterados de consciência e talvez um pouco de sabedoria, os detentores do poder político e dos meios de comunicação usam para manter as massas em um tipo de transe.


Tendo noção de tudo isso, acho possível separar as coisas e talvez aprender a usar essa consciência mágica ao meu favor e em favor de minha escrita. Tenho tentado fazer o seguinte. Primeiro eu me deixo ser atingido por uma gama considerável de informações e imagens mais ou menos selecionadas. Leio o capítulo de um livro, uma revista em quadrinhos, acesso a sites variados e blogs, escuto música, vejo televisão etc, deixando minha cabeça pesar de tanta coisa acumulada. Lembrando que isso deve ser feito com algum critério e não aleatoriamente.





Como já diriam os astrofísicos se conseguirmos concentrar centenas de toneladas em um corpo do tamanho de um granulado de brigadeiro, como acontece com as estrelas de nêutrons, provavelmente surgirá um buraco negro ali. Pois acho que a analogia é mais do que precisa, pois o que faço pra terminar é exatamente isso: desligo e silencio todo esse excesso de informações, relaxando e sentindo o nada pairando em meus pensamentos. Concentro-me nesse nada, nesse buraco e dele as idéias acabam surgindo aos montes.

Tem dias em que as idéias são tantas que fica difícil garimpa-las, catando as melhores para por no papel ou na tela. Por via das dúvidas anote tudo e depois veja o que pode ser usado onde e quando for mais apropriado. A idéia é legal e funciona.

Mas voltando à questão: Que tipo de texto pariremos a partir desse descentramento? Não tenho como responder isso agora, o que torna esse ensaio um mero ponto de partida. No momento tudo o que posso fazer é criar mais táticas pra ver se algo de interessante nasce e quando isso acontecer vai ser como falar com os Deuses.




sábado, 1 de março de 2008

Morre, escritor! Morre que já vai tarde!




O engraçado é que só quando disse foda-se ao escritor que havia em mim os textos começaram a fluir.

Foi necessário matar o escritor pra que a escrita pudesse nascer, como num desmoronamento.