quinta-feira, 17 de junho de 2010

Livros Infinitos



  Geralmente quando lemos um livro,  logo nos enchemos de expectativas quanto ao seu final, sobre o porquê de o estarmos lendo e mesmo sobre os próximos livros depois deste. Pelo menos comigo esse tipo de pensamento sempre foi meio automático, quase irresistível, e acredito que não sejam de exclusividade minha tais ansiedades. 

   Pois bem, à umas duas semanas coloquei em prática um velho projeto, a organização de meus paideumas, listas contendo o que há de melhor para se ler (embora também se possa fazê-los em relação a outras mídias, mas no momento me concentro nesta). Me baseei em diversos parâmetros, sendo os principais: Estética, nostalgia e alma. No enfoque estético, por exemplo, destacaram-se autores como James Joyce e Guimarães Rosa. Em termos de nostalgia, algumas leituras de formação, que apesar de fracas para o meu conceito hoje em dia, merecem lugar na minha estante, tais como o já citado por aqui: "Os passageiros do futuro" da Coleção Vagalume e "Ilusões" do autor de "Fernão Capelo Gaivota", Richard Bach. E para finalizar meus exemplos, no quesito alma, estão aquelas obras que me tocam independentemente de terem algum poder estético ou terem marcado a história de minha vida em algum nível,  que possuem um algo mais que não consigo ignorar, tais como a narrativa mais antiga de que se tem registro: "A Epopéia de Gilgamesh" (Anônimo) ou "O Lobo da Estepe" de Herman Hesse. 




   Usando tal parâmetro, fui sacrificando um bocado de obras, tanto reais (tirando de minha estante e vendendo em sebos) quanto virtuais (tirando de minhas listas de compra para o futuro). No fim das contas o início de meu investimento foi bem sucedido. Adquiri umas 4 obras do meu paideuma, apesar de ter tido que vender umas 20, mas posso afirmar que valeu a pena. E manterei esse caminho até ter cumprido o objetivo de preencher minha estante com as selecionadíssimas obras cobiçadas, bem como ler todas elas, claro. E quando acabar? Bem, não vou dizer algo dramático como: "Jamais lerei algo fora do meu paideuma", mas posso afirmar sem dificuldade que tais obras serão raras, tendo como pre-requisito uma intuitiva propensão a fazerem parte deste seleto grupo de livros. No mais é ficar dando voltas mesmo, em torno das obras que importa ler.


   Este conceito é de fato novo pra mim, ler as mesmas e melhores obras eternamente. Sempre fui adepto das novidades, de um anseio por ler mais coisas ótimas ao invés de ficar rodando em contemplativos círculos em torno de algumas poucas. Acontece então que tenho sofrido uma incrível reviravolta no meu modo de ler. Agora, quando leio um livro do meu paideuma, consigo ler sem pressa (verdadeiramente), tomando o cuidado de voltar e reler algum parágrafo por qualquer motivo que seja (até mesmo sem motivo), desfrutando ao máximo do meu poder de parar o tempo, de volta-lo, talvez até avança-lo, mas enfim, usufruir o livro de uma forma inédita, posto que não carrega o peso funcional de ter que chegar ao fim, no que só nos sobra saborear as páginas, sem qualquer outro compromisso que não este. 

   Algum tempo atrás ouvi falar de um movimento oposto à leitura dinâmica, que defende uma bandeira similar a que estou expondo neste post. Defendem não apenas ler os livros com o máximo de lentidão possível, como também fazer outras atividades com o mesmo senso. Não tiro deles a razão e a genialidade por tal idéia, mas o fato é que só se mergulha nesse tipo de aventura com a alma pronta para isto. Quanto mais jovens, mais naturalmente ansiosos e, consequentemente, mais longe desse tipo de façanha legente. Mas se acha que é capaz de tal aventura, experimente leitor, pois se a pressa é mesmo inimiga da perfeição, então uma leitura perfeita não pode prescindir dos prazerosos poderes de uma proposital lentidão.


sexta-feira, 11 de junho de 2010

Interlúdio Ocasual




Largar o mundo
do dia, da noite

Mergulhar no imarcescível silêncio
Banhado em quietude
em lembrar do porque largar
Do largar o que

Antes do retorno
ao mergulho no insciente mundo
da noite, do dia




quinta-feira, 3 de junho de 2010

Ezra Quem?



E ASSIM EM NÍNIVE

"Sim! Sou um poeta e sobre minha tumba
Donzelas hão de espalhar pétalas de rosas
E os homens, mirto, antes que a noite
Degole o dia com a espada escura.

"Veja! não cabe a mim
Nem a ti objetar,
Pois o costume é antigo
E aqui em Nínive já observei
Mais de um cantor passar e ir habitar
O horto sombrio onde ninguém perturba
Seu sono ou canto.
E mais de um cantou suas canções
Com mais arte e mais alma do que eu;
E mais de um agora sobrepassa
Com seu laurel de flores
Minha beleza combalida pelas ondas,
Mas eu sou poeta e sobre minha tumba
Todos os homens hão de espalhar pétalas de rosas
Antes que a noite mate a luz
Com sua espada azul.

"Não é, Ruaana, que eu soe mais alto
Ou mais doce que os outros. É que eu
Sou um Poeta, e bebo vida
Como os homens menores bebem vinho."

Ezra Pound (tradução de Augusto de Campos)


   Ezra Pound nasceu em Hailey, Idaho, em 30 de outubro de 1885 e morreu em Veneza, no dia 1 de novembro de 1972.  Poeta, músico e crítico, foi uma das maiores figuras do movimento modernista da poesia do início do século XX, tendo como principal obra (e mais conhecida), os seus "Cantos", que escreveu até o fim da sua vida, incansável. 

   Não sei se é pelo aspecto complexo e intrincado de sua escrita, ou pela vertiginosa erudição, mas não é fácil encontrar referências a esse artista. Se você pesquisar com afinco, encontrará alguma informação, caso contrário só posso dizer que não chega fácil ás mãos como outros autores, até mais labirínticos, como James Joyce.

   Digo isso após pesquisar no google, em diversos sites e mesmo em livrarias, enquanto procurava comprar meu volume de seus "Cantos". Um calhamaço de mais de 800 páginas traduzido por José Lino Grünewald, sobre o qual a maioria dos livreiros respondia: "Era Ponde? Ezra quem? Nunca ouvi falar...". Depois até pensei em outra explicação que pudesse ter contribuido para essa ignorância a seu respeito: O fato de ter se afiliado ao fascismo em 1945, coisa que o tornava maldito não apenas literaria, mas literalmente. 

   Para mim também foi um susto. Minhas tendências ideológicas não tendem nem para a esquerda nem para a direita, mas para uma forma personalizada de anarquismo,  radicalmente averso a qualquer forma de fascismo. Mas aqui adentrei numa velha discussão que costumava ter com os amigos, que se resume na questão: 

"É possível gostar de uma determinada música, filme ou livro, sabendo que quem a criou foi um filho-da-puta?"

   Nessas horas é necessário que o senso estético se aproxime do científico, no sentido de não misturar as coisas, focando na obra e não na vida, na aparência ou sequer na ideologia do artista, por mais difícil que seja. Acontece no entanto, que os leitores de hoje são ávidos por biografias, o que resulta em uma paixão pela história de quem escreve mais do que pela obra em si (se lançam um filme a seu respeito então, as vendas decolam!).

   Mas enfim, como um anarquista inrustido como eu conheceu e aprendeu a gostar de Ezra Pound? 
Tudo começou com meus estudos de teoria literária, na faculdade de Letras. O livro "ABC da Literatura" é uma obra impressionante e foi com ela que aprendi a ser mais seletivo a respeito do que leio. Conceito esse considerado por muitos como elitista por ser excludente quanto a obras tidas como "á margem" da crítica.

Reconheço que é bacana essa abertura em relação ao que foi deixado historicamente de lado, mas não se pode negar que o escancaramento da crítica tem seu lado negativo, uma vez que torna praticamente tudo (qualquer merda) válido.

Ora, já que a crítica não é mais tão seletiva quanto Pound o propunha que deveria ser, devemos aplicar isto a nós mesmos, e por um motivo prático acima de tudo: O fato de que não viveremos pra sempre. Portanto é melhor selecionar o que há de melhor para se ler no curto prazo de uma vida. Baseie-se no critério que achar melhor, mas tenha critério. Foi isso o que aprendi com Pound, e foi o que me atraiu a conhecer sua obra poética. 

   Pela internet, conheci um poema maravilhoso dele. Gostei tanto que direcionei minhas forças a conseguir o tal livro dos "Cantos", sem muito saber a respeito. Foi um bom investimento com certeza, mas após ler a metade dos cantos e folhear o livro de todas as maneiras possíveis, começando do meio, do fim, do início, sorteando cantos etc, percebi que o tal poema pelo qual me apaixonara não estava nesta obra. 
 
Comecei a procurar por outras obras traduzidas, em todos as grandes livrarias virtuais que conheço. Saraiva, Martins Fontes, Cultura, Leitura, nada em nenhuma delas, nada além dos "Cantos". Então resolvi procurar pelo nome do tradutor daquele poema, Augusto de Campos. Foi quando descobri que tanto ele quanto seu irmão Haroldo e outros do movimento concretista, haviam dado bastante atenção ao velho Ezra, chegando a escrever ensaios sobre ele e fazer umas boas traduções de sua obra. O nome do livro em que estava meu poema, que para mim já alcançara status fetichista é: 

EZRA POUND - POESIA (com D. Pignatari, H. de Campos. J. L. Grünewald e M. Faustino). Organização, introdução e notas de A. de Campos), São Paulo, Hucitec, 1983. 

(conforme copiei do site oficial do Augusto: http://www2.uol.com.br/augustodecampos/home.htm)

   Nem tão surpreso assim, descobri que esse livro (que só acharia colocando A. de Campos na busca por autor, e não E. Pound) também não era encontrado em nenhuma daquelas livrarias virtuais que acabo de citar. Só mesmo quando procurei no site da tal HUCITEC, por 60 reais. Segue o link:

http://www.hucitec.com.br/loja/produtos_descricao.asp?lang=pt_BR&codigo_produto=1778

   Sem a menor previsão de quando terei grana para comprar essa obra, o jeito é me contentar em guarda-la no computador, transcreve-la no papel, imprimi-la para guardar, pra ler e reler e, obviamente, trazê-la para este blog. Lembrando que a retirei deste site aqui, muito bom:
  
   Sim, o poema é o que abre este post. Só deixo agora o questionamento: 

Fascista, psicopata, alienígena, cor de rosa, com duas cabeças, medium, robô, enfim, importa mesmo tanto assim saber da vida de quem escreveu? Isso tornará este poema (e o conjunto de sua obra) menos ou mais grandioso? 

Quem não achou lindo o poema, que se atire a primeira pedra.