Geralmente quando lemos um livro, logo nos enchemos de expectativas quanto ao seu final, sobre o porquê de o estarmos lendo e mesmo sobre os próximos livros depois deste. Pelo menos comigo esse tipo de pensamento sempre foi meio automático, quase irresistível, e acredito que não sejam de exclusividade minha tais ansiedades.
Pois bem, à umas duas semanas coloquei em prática um velho projeto, a organização de meus paideumas, listas contendo o que há de melhor para se ler (embora também se possa fazê-los em relação a outras mídias, mas no momento me concentro nesta). Me baseei em diversos parâmetros, sendo os principais: Estética, nostalgia e alma. No enfoque estético, por exemplo, destacaram-se autores como James Joyce e Guimarães Rosa. Em termos de nostalgia, algumas leituras de formação, que apesar de fracas para o meu conceito hoje em dia, merecem lugar na minha estante, tais como o já citado por aqui: "Os passageiros do futuro" da Coleção Vagalume e "Ilusões" do autor de "Fernão Capelo Gaivota", Richard Bach. E para finalizar meus exemplos, no quesito alma, estão aquelas obras que me tocam independentemente de terem algum poder estético ou terem marcado a história de minha vida em algum nível, que possuem um algo mais que não consigo ignorar, tais como a narrativa mais antiga de que se tem registro: "A Epopéia de Gilgamesh" (Anônimo) ou "O Lobo da Estepe" de Herman Hesse.
Usando tal parâmetro, fui sacrificando um bocado de obras, tanto reais (tirando de minha estante e vendendo em sebos) quanto virtuais (tirando de minhas listas de compra para o futuro). No fim das contas o início de meu investimento foi bem sucedido. Adquiri umas 4 obras do meu paideuma, apesar de ter tido que vender umas 20, mas posso afirmar que valeu a pena. E manterei esse caminho até ter cumprido o objetivo de preencher minha estante com as selecionadíssimas obras cobiçadas, bem como ler todas elas, claro. E quando acabar? Bem, não vou dizer algo dramático como: "Jamais lerei algo fora do meu paideuma", mas posso afirmar sem dificuldade que tais obras serão raras, tendo como pre-requisito uma intuitiva propensão a fazerem parte deste seleto grupo de livros. No mais é ficar dando voltas mesmo, em torno das obras que importa ler.
Este conceito é de fato novo pra mim, ler as mesmas e melhores obras eternamente. Sempre fui adepto das novidades, de um anseio por ler mais coisas ótimas ao invés de ficar rodando em contemplativos círculos em torno de algumas poucas. Acontece então que tenho sofrido uma incrível reviravolta no meu modo de ler. Agora, quando leio um livro do meu paideuma, consigo ler sem pressa (verdadeiramente), tomando o cuidado de voltar e reler algum parágrafo por qualquer motivo que seja (até mesmo sem motivo), desfrutando ao máximo do meu poder de parar o tempo, de volta-lo, talvez até avança-lo, mas enfim, usufruir o livro de uma forma inédita, posto que não carrega o peso funcional de ter que chegar ao fim, no que só nos sobra saborear as páginas, sem qualquer outro compromisso que não este.
Algum tempo atrás ouvi falar de um movimento oposto à leitura dinâmica, que defende uma bandeira similar a que estou expondo neste post. Defendem não apenas ler os livros com o máximo de lentidão possível, como também fazer outras atividades com o mesmo senso. Não tiro deles a razão e a genialidade por tal idéia, mas o fato é que só se mergulha nesse tipo de aventura com a alma pronta para isto. Quanto mais jovens, mais naturalmente ansiosos e, consequentemente, mais longe desse tipo de façanha legente. Mas se acha que é capaz de tal aventura, experimente leitor, pois se a pressa é mesmo inimiga da perfeição, então uma leitura perfeita não pode prescindir dos prazerosos poderes de uma proposital lentidão.
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