terça-feira, 4 de setembro de 2007

Ainda sobre as lacunas - O ruído necessário



Convenção: [Do lat. conventione.]

S. f.

1. Ajuste, acordo ou determinação sobre um assunto, fato, etc.; convênio, pacto.

Qual será a diferença entre a ausência de lacunas que percebemos nos filmes pop e a que vemos nos filmes B, também conhecidos como trash movies? Por que há quem opte pelo segundo tipo se o primeiro apresenta recursos muito mais caros, efeitos especiais e sonoros de última geração, além de atores e atrizes top de linha em Hollywood?

Isso varia muito de caso pra caso. Uma parcela do público dos filmes B os prefere por pura nostalgia. Houve um tempo em que filmes de monstros eram o máximo (década de 40 e 50) e tinham público tão garantido quanto a trilogia Senhor dos Anéis teve nos dias de hoje. Neste caso, estou falando de uma nostalgia referente a uma moda de época. Se agora a computação gráfica é moda, sabemos muito bem que pode ficar batida em poucos anos. No entanto sempre haverá seus saudosistas.



O fato é que o senso comum nem desconfia que os filmes trash tiveram um auge, por isso digo que os nostálgicos são uma minoria constituída por cinéfilos idosos ou nerds bem informados. Mas a maior parcela deste público, alguns consciente e outros inconscientemente, gostam bastante desse tipo de filme por um outro motivo. A lacuna que aos fãs das novidades bem feitas e no entanto padronizadas passa desapercebida. Todo filme B joga uma tijolada no frágil vidro da convencionalidade.

Assim como os filmes pop, os filmes B também não possuem a mínima pretensão de serem objetos de arte. Ambos se assumem puro entretenimento, de modo que o primeiro estabelece seu padrão de qualidade com base no dinheiro gasto na produção e margem de lucro, enquanto que o segundo ao se afirmar como lixo e se conformar com um público mínimo, define seu padrão de qualidade usando o critério inverso, isto é, quanto mais barato, melhor o filme.



Não se pode falar desta lacuna sem explicitar sua origem, que remonta aos dadaístas e ao movimento anarco-punk. Dadaísta no sentido de sua própria regra de ouro, ou seja: quanto mais criativamente antiarte, melhor. Anarco-punk, no sentido de ser uma constante pedra no sapato do status quo, nunca deixando que a arte fique estagnada. Pros que entendem o significado de tal lacuna, um determinado filme trash se não for interessante, então será no mínimo engraçado. Pros que não entendem, ele nada vale, sendo considerado até mesmo pior do que o mais convencional dos filmes, o qual será ao menos bem produzido e portanto superior a este segundo o senso comum.



Assim, pode-se dizer que quanto mais ingenuamente um filme, música, história em quadrinhos etc fira a estética vigente, melhor ele se torna. Há inclusive dois exemplos que ilustrariam bem tudo isso. No cinema, temos Ed Wood, considerado unanimemente como o pior cineasta de todos os tempos. Seus filmes eram muitíssimo mal feitos e Ed não se preocupava se o microfone aparecesse numa cena ou se faltasse verossimilhança. Ed simplesmente ignorava tais detalhes e acreditava que o filme ficaria ótimo, independente disso.



O mesmo podemos dizer de Sid Vicious, o baixista da saudosa banda Sex Pistols. Embora Vicious fosse sem dúvida o pior baixista do mundo, tornou-se um ícone do movimento punk e é reverenciado como tal mesmo nos dias globalizados do hoje. Eles não tinham a mínima intenção ou noção de tudo isso, mas eram ruins o suficiente, assumidamente, rasgadamente, até não poder mais. É paradoxal, mas era isso o que os tornava tão bons. Já um filme pop convencional se assume bom desde antes do filme, independente do resultado. O que o primeiro estilo tem de sobra em honestidade, o segundo tem em pretensão.

Uma outra opinião possível foi algo que já ouvi a respeito deste tema. Algo como: “Não me interessa uma arte que só sirva pra horrorizar os boys”. É uma opinião respeitável, sem a menor dúvida. Mas é bom parar pra pensar em como seria este mundo sem a presença ruidosa e barulhenta das “trasharias”. Imagino que o mundo se tornaria algo muito parecido com um shopping, sinistramente limpo, claro e reto como só a normalidade excessiva consegue ser. Enfim, seria um mundo mais conservador, mais sério, mais chato e conseqüentemente muito mais triste. O tipo de lacuna cuja presença faria a diferença, no pior sentido possível.


Ps: Tanto Ed Wood quanto Sid Vicious foram imortalizados pelo cinema, nos filmes Ed Wood (do Tim Burton e com o Jonny Depp interpretando o próprio) e Sid & Nancy (não sei o diretor mas quem faz o Sid é ninguém menos que o Gary Oldman).



2 comentários:

canhoto disse...

putz, Bill, muito massa. adoro dadaístas e punks, porque não ia gostar de filmes b? por falta de tempo. ah, deve ter um monte de fanzine que fala de tudo isso. "fanzine = a anti-revista" né?

ah, quem dirigiu sid & nancy foi alex cox!

Maledictu disse...

Não me interessa uma arte que não seja honesta, seja ela pop ou anti-pop, papa ou anti-papa, bosta ou anti-bosta, é preciso ser honesto, o resto é questão de gosto ou moda, que são que nem bunda, umas são boas de olhar, outras só servem para sentar.