quarta-feira, 18 de julho de 2007

Trilogia Qatsi



Em 1982, o diretor Godfrey Reggio havia finalmente conseguido lançar seu filme de estréia. Um filme chamado Koyaanisqatsi. A idéia era fazer um filme sem atores ou diálogos, uma história contada através de imagens aliadas a uma trilha sonora hipnótica, que casava perfeitamente com o projeto. Para tanto o músico minimalista Philip Glass acabou por aceitar tal papel. Era uma proposta audaciosa, mas suficientemente interessante para chamar a atenção de Francis Ford Copolla, o qual acabou sendo o produtor executivo do filme. Assim nasceu o primeiro e mais marcante filme da trilogia Qatsi.




Destoando completamente do cinema convencional, Reggio usou paisagens naturais e urbanas magníficas, provocando várias vezes a imaginação do público e fazendo-os criar cada qual seu próprio sentido em diversos momentos. Mas as imagens não estavam jogadas ao léu. Existia um sentido na ordem em que eram dispostas, aquelas imagens contavam uma história que, juntamente com a música de Glass, nos transportava para além do factual, algo muito próximo do transe. Somente no final do filme o diretor revela enfim o significado da enigmática palavra que nomeia o filme. E faz o mesmo em seus dois filmes seguintes: Powaqqatsi e Naqoyqatsi.




Nada tenho contra o formato trilogia, na verdade até que gosto bastante, mas Koyaanisqatsi pra mim já dá conta do recado projetado pelos 3 filmes como um todo. O impacto provocado por aquelas imagens, o contraste entre o mundo natural intocado pelo homem contra o mundo tecnológico onde toda a destruição causada é justificada pela bandeira do progresso. E enfim, o signifcado derradeiro derivado da língua da tribo hopi:
vida em desequilíbrio, coisa que torna-se mais do que uma simples frase após a enchurrada de imagens e sons que acabaram de nos bombardear. Tudo isso dá a esse filme um certo ar profético e um tanto apocalíptico sobre o efeito da ação humana sobre o mundo e sobretudo sobre seu próprio jeito de viver.




Em Powaqqatsi, a dupla Reggio/Glass mais uma vez se reencontra para dar conta do recado. Chegando aos cinemas 6 anos depois do primeiro filme, desta vez Reggio explora, do mesmo modo que no primeiro filme, as maneiras como o homem explora o próprio homem e como os fins justificam os meios. Cenários de miséria tão infernais quanto surreais, como a sequência de cenas da Serra Pelada, nos causam ao fim do filme um desconforto sem igual. Enquanto no primeiro filme Reggio focaliza na raiz do problema, onde o homem subjuga a natureza e se ferra, neste ele volta a câmera para o ser humano e suas desigualdades, ou como já disse: onde homem subjuga homem. O modo de vida desequilibrado do conceito anterior provocaria uma significativa mudança no viver humano. Este seria o foco de Powaqqatsi .



Dos 3 filmes, Powaqqatsi foi o que menos gostei. As imagens, apesar do incômodo que provocam, continuam tão poderosas quanto no filme anterior. Mas ainda tinha a sensação de que tais consequências já estavam contidas, ainda que de um modo potencial, em Koyaanisqatsi. Não consegui deixar de comparar os dois. Outra coisa que me fez gostar menos deste foi a trilha de Philip Glass que dessa vez não me agradou muito.




Mas o círculo só foi se fechar mesmo em 2002, quando a dupla mais uma vez se reuniu para criar o genial Naqoyqatsi. Agora Reggio explorava o ponto onde os dois filmes anteriores culminara. Onde chegaria a humanidade com tanto progresso? Onde chegaria a humanidade sendo tão pouco humana? A somatória das duas consequências daria origem ao conceito Naqoyqatsi, também da língua hopi e que significa:
vida como guerra ou guerra como modo de vida.



Nos dois primeiros filmes, Godfrey usara de imagens magníficas de vários lugares e pessoas, sem alterar em muito. No máximo passava uma sequência em câmera lenta ou em modo acelerado. Mas no terceiro filme absolutamente todas as imagens tinham algo em comum: intervenção tecnológica. O mar é filmado com filtros de cor que o dividiam em duas cores, certos cenários eram completamente digitais, como um jogo de video game e assim por diante. A avalanche de imagens é tão intensa neste quanto nos outros filmes, mas dessa vez é marcada por uma mescla de recursos e uma rapidez vertiginosa.



A primeira cena do filme é assombrosa. Um cenário totalmente artificial é mostrado em ângulos diversos, nos deixando em dúvida sobre sua veracidade, o que nos dá uma noção de como o filme será até o fim. A trilha sonora de Philip Glass está impecável, nos transportando para uma viagem imagética que reflete muito bem o movimento acelerado e forçado dos dias pós-modernos. Assim como nos outros dois filmes nada aqui existe por acaso. As cenas tem uma ordem muito precisa e a música faz um par perfeito.



Todo esse conjunto dá ao Naqoyqatsi uma aura meio abstrata, uma vez que não estamos vendo apenas paisagens e figuras humanas, vemos também, graças à intervenção da tecnologia, a projeção de diversos conceitos, sob as mais variadas formas. De repente isso se mescla com técnicas usadas na nossa atual medicina. Em outro momento viajamos pelas expressões faciais de vencedores de provas olímpicas, celebridades e pessoas comuns, em câmera ultralenta, revelando elementos que o olho em geral deixa escapar.

Vaidade, busca pela perfeição do corpo, a postura dos militares, as diversas bandeiras e ideologias que vivem, convivem e combatem. Uma guerra, sem dúvida, mas uma guerra bastante sutil, mascarada por tanto progresso, por tantas formas de se impor ou submeter-se sem perder a pose. Vivemos uma guerra que não tem cara de guerra, ainda que destrua a nós mesmos e a todos ao nosso redor, ainda assim não parece guerra. O aquecimento global, as guerras no oriente médio, a destruição ambiental, tudo isso pode muito bem ser suportado uma vez que temos o conforto da tecnologia, das sofisticações do mundo pós-moderno.

Lutamos o tempo todo para manter a pose apesar da desintegração ser norma. Nos focamos no prazer advindo de tudo isso pra que a vida não seja desperdiçada com preocupações muito profundas. Então o tempo vai passando, o homem destrói e destrói-se, sempre envolto em elegância. Fala apaixonadamente sobre o fim do mundo e em seguida assiste a seus filmes prediletos na tv a cabo. Presencia uma injustiça, muda a música de seu i-pod e prossegue seu caminho, sem jamais perder a pose: Naqoyqatsi.




5 comentários:

Sussy Côrtes disse...

Bill!!!! Por onde andou??? hehehe Achei que tivesse desistido do meu bloguinho!
Ultimamente tenho pedido uma coisa pros meus amigos: uma lista dos seus filmes preferidos, aqueles que eles acham que não poderiam nunca deixar de ter visto. E ando assistindo todos eles, ou o que meu tempo me permite. Pelo que vejo você sabe tudo de filmes. Quando tiver tempo faz uma listinha sua pra mim? hehehe... Não tem pressa não tá?! abraço!

Sussy Côrtes disse...

Muito Obrigada Bill, alguma eu já assisti. Assim que eu assitir todos falo pra vc! Valeu, Abraço

Aldrin Iglesias disse...

queria agradecer o elogio. seu blog é meio difícil ... vá no meu, q andei aprontando algumas ... he. abraços.

Maledictu disse...

Vou ter de conferir esta trilogia, mas o que me agradou mesmo foi ver como o senhor anda a escrever bem, não que não o fizesse antes, mas agora suas idéias, sempre boas, parecem estar fluindo melhor no texto, mais preciso e estruturado. Vou tentar ver os filmes e depois te conto o que achei.

canhoto disse...

eu quero ter um telão pra ver esses filmes, pois com a minha 14' tá osso, viu bill?