quinta-feira, 8 de julho de 2010

Máquina do Tempo


"Se acaso não revolvo ilusões no pensamento, o oráculo da Deusa é justo, é pio, não nos ordena o mal, não quer um crime. A grande mãe, que ouviste, a mãe de todos é a Terra; a meu ver são os seus ossos as pedras, e essas diz, que ao chão lancemos."

                                                                                                              As Metamorfoses - Ovídio



   Antigamente, atribuíamos um valor diferente do que hoje com os objetos de arte. Existe uma diferença  financeira. Antes eu precisava gastar uma fortuna para comprar livros, discos, quadrinhos, filmes. Passava o ano sonhando com determinado objeto estético de desejo, juntando dinheiro para comprar e adiando infinitamente para frente. Até que veio a internet.

   Depois da internet as coisas foram facilitadas maravilhosamente. Hoje em dia posso até comprar um cd, filme, quadrinho (livros eu compro sempre mesmo pois detesto ler na tela), mas de um modo geral absorvo a maior parte antes, pela internet, só decidindo depois se vale mesmo a pena investir dinheiro ou não. Acredito que isto esteja nos tornando cidadãos cada vez mais exigentes quanto ao que se consome do multiverso cultural. Ou ao menos assim deveria ser.
   
   Acaba que o valor das obras agora tem algo a ver com tempo e vida. Ou melhor, tempo de vida. Temos acesso a tanta coisa, mas tanta coisa, que não dá pra mastigar tanta informação. Então vamos engolindo, nos emporcalhando de cultura. Pouco ou nada degustando, muitas vezes. O antídoto: Escolher direito o que se consome na internet, ainda que não se vá gastar dinheiro com tal bem virtual. Eis o único modo de gastarmos nosso precioso tempo, que não é dinheiro como costumavam dizer, mas vida rolando, acontecendo, ladeira abaixo... Aproveitemos, ora!

   Existem muitos critérios para se apreciar objetos de arte multimidiáticos. Nem sempre se trata de critérios estéticos, embora seja bom. Hoje pretendo tratar de uma das minhas motivações na hora de escolher (e mesmo gastar dinheiro) com qual obra gastarei aqueles preciosos momentos de existência: Tempo. 
 
   Isso mesmo. É possível viajar no tempo. De uma maneira completamente abstrata, intelectual, emocional, mas é melhor do que nada. E dependendo da obra pode-se ir longe. Para ir ao passado por exemplo. Ás vezes fico pensando em como estaríamos todos se estivéssemos vivendo nos anos 50. Então escuto um disco, vejo um filme, leio um livro escrito na época, de forma a mergulhar naquela outra fase da história, degustando-a, sentindo seu aroma, sua deliciosa diferença em relação à época em que vivemos.



   Dentre as minhas predileções de viagem ao passado (não é mistério para quem passa alguns minutos clicando em meu blog), estão as jornadas ao mais distante passado, no mundo antigo. Me delicio com mitologia grega, com Platão, Heráclito, Ovídio, O Livro dos Mortos Egípcio, Édipo Rei, Mil e uma noites, A Epopéia de Gilgamesh etc. Sei que o jargão é difícil, quase como se houvesse um código impenetrável, uma senha para se acessar um pouco do sabor daqueles tempos. É meio fetichista, eu sei, mas o prazer é tanto que compensa cada uma das minhas conferidas diárias de dicionário (esses sim, muito mais fáceis de se conferir pelo computador do que em livros de papel, recomendo o Houaiss 3.0). Após decifrar as palavras obscuras, aí é só retomar o texto do início e mergulhar fundo, rumo a outro tempo, outro mundo... 

   Pode-se também viajar para o futuro. Para tanto basta ficar de olho no que está além de nosso tempo no mundo das artes. Geralmente são coisas não muito populares (mas estarão no futuro, distante ou não, pode apostar). No cinema, procure os filmes considerados "de arte". Pode ser que não os absorva com facilidade no início (assim como as coisas ultra antigas), mas não desista, através da persistência (e talvez um pouco de pesquisa) dá para encarar, e como sendo uma grande aventura para qual se exige preparo e não como meros momentos de entretenimento burro com o qual estará torrando sua existência. 



   Recomendo um que vi essa semana: "Um Homem Sério", o mais novo dos irmãos Cohen, com seu peculiar senso de humor, sua direção criativa e sensacional, e o melhor: seus finais inusitados. O faço por lembrar de quando não gostava deles, nos primeiros a que tive acesso. Mas algo me movia a ver outras obras desses sujeitos, o que acabou me levando a compreende-los melhor e mesmo a ama-los em alguns momentos geniais. Já ouvi muita gente reclamando deles (e de seus finais de filme), mas a estes peço que reflitam: Por que tais finais lhes são tão incômodos? Minha resposta particular é essa: Estamos viciados nos finais de sempre, nas estruturas de sempre. Ao tentar nos apresentar um final inusitado, eles dão um passo adiante, para fora do ciclo entediante, para além de nossa, muitas vezes repetitiva e massante, pós-modernidade.

   Citei os filmes de arte só como exemplo. Em todos os campos da cultura é possível achar esses portais para o futuro. Na literatura então, tem alguns fantásticos! Recomendo: "Contos de Maldoror" de Lautreamont e(ou) "Grandes Sertões Veredas" do Guimarães Rosa, lembrando que não se tratam de livros futuristas pelo tema, e nem mesmo foram escritos agora, mas pela estética da linguagem a transbordar para fora do lugar comum.


   Lembre-se disso: Arte não serve só para ser apreciada pela sua beleza, sua inovação ou pelos milhões de dólares que se gasta para produzi-la (ou quem sabe adquiri-la), mas também, e muitas vezes principalmente, para viajarmos no tempo, seja para o passado, seja para o futuro. O presente já se encontra em toda parte...




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