sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Inspiração




Apesar de ter aprendido na Letras que isso não seja verdade, posso afirmar:

Inspiração existe.

Mesmo tendo Clarice afirmado que isso é bobagem, e que o ideal na escrita é lidar com ela como sendo um duro labor, onde da terra dura e seca acabamos por tirar algo que preste, permaneço a insistir:

Ralar no texto é fundamental sim, embora o que passe a brotar deste trabalho não sejam apenas palavras, mas algo que as antecede e sustenta. E é onde deve se firmar o escritor a partir de então, antes, depois e durante qualquer palavra.

E ainda que a ciência e a filosofia e as escolas e os padres e os políticos e quem quer que seja e se ache, tentem puxar-me para a heresia de se ignorar o poder das Musas, filhas do onipotente Zeus, ainda assim teimarei em proclamar, irredutível:

Existe sim! As musas são 9 e sim, por elas devemos dedicar orações e oferendas todos os dias se quisermos cultivar tal poder!




quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Twitter - leveza ou ausência?


"Finalmente recebi a caixa c todos discos dos Beatles remasterizados! Cabulososhnizzle! Agora falta a c os discos em mono..."

um twitt do Marcos Mion


O Twitter é mesmo um fenômeno. O mundo inteiro fala dele. A identificação sustentada entre seus usuários e o novo serviço virtual foi imediata, sendo que vemos seus scraps por toda mídia. Revistas, jornais, programas de tv, no boca-a-boca diário. No Brasil o impacto só não foi ainda maior por não termos uma ampla inclusão digital a exemplo de países como Estados Unidos, Japão, Alemanha etc, onde deve estar provocando uma verdadeira histeria. Mas por que tudo isso?


Até pouco tempo atrás os sites de relacionamento se pautavam por uma variada gama de gadgets, isto é, espaço para videos, músicas, textos, fotos e assim por diante. O que antes cativava era a fartura de recursos, o que foi sendo aos poucos diluído em categorias, tais como sites de relacionamento: musicais, voltados para quadrinhos, para animais, para filmes e até mesmo para quem já morreu. Essa festa toda acabou dando origem ao Twitter.


Diferente de seus irmãos, o Twitter não aparenta se prezar pelo excesso, mas pelo minimalismo. Tudo começa com uma pergunta: “O que você está fazendo?”. O usuário tem um espaço para posts de até 140 caracteres. Lembrei na hora dos Haikais e sua leveza de expressão, e foi pensando nisso que já fui logo correndo fazer o meu. Os amigos de Twitter são seguidores e estes ficam observando o que você escreve de vêz, assim como fazemos o mesmo com aqueles que seguimos. O formato simplificado permite que pessoas mandem seus twitts (sei lá se é assim que se escreve) pelo celular, msn etc, o que facilita a postagem com uma certa frequência. Foi só um pouco depois que comecei a perceber o quanto o Twitter é na verdade superestimado. Ele não é como é em nome de um conceito de leveza, e o que eu chamei minimalismo na verdade tem outro nome: preguiça.


Na correria dos dias pós-modernos, as pessoas estão super atarefadas. Entre videos, músicas, quadrinhos, pesquisas corriqueiras, jornais virtuais, e-mails, e-books, games e sites de relacionamento, acabam optando pelo que for mais fácil. Entre o filme elaborado e o thriller ultra-dinâmico, optará por qual, geralmente, o moderno sujeito high tech, atarefado e ofegante, da primeira década do novo século? Entre um livro denso e um que lhe faça dar pequenas risadas, optará pelas risadinhas ou pelo terremoto que colocaria em risco sua letargia hype?


O Twitter, portanto, é um misto de sintoma e ferida de nosso tempo, uma vez que ele não apenas nos dá espaço para manifestar-nos mas nos obriga a um limite dentro de nosso já tão limitado paradigma, optando assim não por combater a preguiça generalizada mas por adequar-se a ela. Ouso dizer que o Twitteiro de carteirinha, muito provavelmente, é uma pessoa de pensamentos superficiais. Não estou falando daqueles que o usam de maneira estritamente prática, como padeiros que anunciam a hora do pão quentinho ou amigos combinando o melhor agite da noite, mas dos que nele mergulham, levando a sério a ponto de raríssimas vêzes ter algum ânimo para ler ou escrever mais de 140 caracteres, dentro ou fora do Twitter.


A correria de nosso mundo apenas lhe confere mais e mais força, uma vez que é de fato funcional e às falhas do hoje se adequa ao invés de tentar resolve-las. O problema fundamental, portanto, não é o excesso de informação simplesmente mas a nossa cada vez mais crescente incapacidade de parar para refletir sobre o que vamos aprendendo. O cérebro literalmente joga a maior parte na lixeira.


Nos tornamos pessoas cada vez mais superficiais. Já que tal perfil não desagrada a publicidade, a mídia parece optar por apoiar tudo que o sustente. O Twitter é um desses sustentáculos. Uma ferramenta interessante, sem dúvida, mas que no fim das contas reforça essa leviandade geral, nos fazendo engoli-la como sendo o arroz com feijão do senso comum. Começamos a aplaudi-lo cada vez mais ruidosamente, a mídia toda parece estar de pé, também a ovaciona-lo, e cada vez menos nos lembramos do porquê.


Se eu fosse um entusiasta do Twitter, tentaria minar o processo, ora usando-o para marcar eventos, ora escrevendo densidades concentradas no tal espaço de 140 caracteres. Mas como não sou empolgado com ele, prefiro mesmo me aventurar a escrever haikais, ou então concentrar-me no bom e velho blog, onde posso escrever quantas letras quiser, do jeito que considerar melhor e só para aqueles que ainda conseguem suplantar a preguiça e a pressa generalizadas. A estes a promessa do pote de ouro ao fim do arco-íris talvez não se concretize, mas a probabilidade é de longe muito maior.


Já pra turma do Twitter, lhes deixo um dos twitts mais famosos do mês de outubro, tentem refletir sobre isso pois se tantos o seguiram, talvez eu esteja caducando e isso seja mesmo, de alguma maneira oculta, bem profundo:



“Ai, que sonooo! Também... Depois dessa feijoada... (Recuperei todas as calorias q gastei na malhação de hoje! Hehehe... Assim não dá!)


um twitt da Sandy



Se bem que até tem uma vantagem em ler merdas como essa: Dá vontade de ler um bom livro pra compensar essa pungente ausência de qualquer coisa.





terça-feira, 13 de outubro de 2009

Religião Castrada




Entendo quem assume que não gosta de religião, assim como entendo quem não seja fanático por sexo. Sei que para os entusiastas de uma coisa ou outra parece algo impossível, daí aquele tipo de afirmação: "Sem Deus a pessoa não consegue nada..." ou "Como assim não curte sexo? No mínimo é bicha!". Mas a verdade é que certas coisas são inerentes e variam de pessoa pra pessoa.

Por que cito religião e sexo num só parágrafo? A verdade é que ambos os conceitos tem muito em comum. Para que se tenha uma idéia, darei um exemplo relacionando a fé cristã à sexualidade, veja só:


Você está na cama com a pessoa amada. O que você faz?

Beijar o pescoço?

Você não pode... Tem que começar pela testa...

Abraçar?

Deixa eu folhear o livro... Ah, sim... Pode sim... Mas sem mão boba, ok?

Peraí, ela quer ficar por cima? Não pode. O sacerdote falou, o livro confirmou e o senso comum assina embaixo: Nada dela por cima. Você deita por cima...

Abre as pernas e...

Peraí, não toque entre as pernas, o que está pensando?

Vai sujar suas mãos com o pecado?

Nah, camisinha nem pensar... O papa jamais aprovaria!


Olha, muitos defendem que religião é uma coisa social e que portanto as instituições religiosas são mais do que legítimas, mas nunca consegui ver as coisas dessa maneira. Talvez por ser uma pessoa naturalmente religiosa, não tendo o vício de ver tudo sob uma ótica mais sociológica ou qualquercoisaológica.

Religião não tem nada a ver com instituições. Trata-se de um sentimento que te move a ver significados transcendentes por trás de tudo, num impulso que te manda buscar além do banal e se religar a algo superior, independente de que se saiba o que exatamente é esse algo. Mas o que isso tem a ver com sexo? Ora...

Quando está na cama com seu parceiro ou parceira, você não segue um livro sagrado com um manual de instruções. O que te dá tesão não dará tesão a um sujeito Y, da mesma forma que poderá inspirar nojo no sujeito X. Tudo isso por um motivo muito simples: sexualidade é algo absolutamente pessoal.

Com as religiões afirmo o mesmo. Mediar tal força através de sacerdotes, livros de regra e instituições apenas cortou a ligação das pessoas com sua verdadeira religiosidade. O que resta é apenas uma sombra, uma casca sem recheio, onde existe socialização, regras morais que unem a sociedade etc, mas não a autêntica religiosidade em todo o seu fulgor. Não é a toa que muitos preferiram troca-la radicalmente pelo materialismo (o que não é mau negócio em vista do que são obrigados a engolir aqueles que se afiliam a tais instituições).

Os padres e sacerdotes de um modo geral passam por esse mesmo drama. Sei que nem todos são vampiros sacanas (embora desconfie de qualquer um), mas aqueles que levam a religião a sério, que tem potencial para ver além do que permitem suas bíblias, alcorões e etceteras sagrados, acabam se limitando, crescendo embrulhados em si mesmos, como rosas se desenvolvendo em caixinhas de fósforo.

Se você não entende o que é religiosidade senão por uma ótica intelectual, então esse texto de nada te serve. Talvez como curiosidade e só. Mas se isso for importante para sua vida, tente pensar na religiosidade como um livro em branco que Deus, Deusa, Forças Superiores, O Grande Espírito ou o que for, te colocou nas mãos. É pra você escrever e não o seu pastor, padre, monge... O livro é de todos mas cada qual com sua pena, que é movida por sua visão de mundo, que vem das suas experiências e intuições desde o berço e por aí vai, de forma autêntica, única dentre as demais.

Que possamos gozar sempre da benção das forças por trás de tudo.

Gozar sempre que der vontade e não apenas quando alguma figura de autoridade (questionável ou não) assim o decretar.

Seja no sexo ou na religião: Gozemos!



quinta-feira, 8 de outubro de 2009

O Saco do Louco



“E ao parar ante aquele lugar que outrora fora verdejante e soberbo, agora só restavam arames farpados, câmeras de segurança e restrições explícitas por toda parte. E ao tentar desafiar o caos das ondas do mar que parecia calmo e, próximo a ele, instalar sua barraquinha, com todas as suas coisitas especiais e tudo mais, não teve jeito, o mar veio com tudo, abocanhando sua estabilidade e levando seu abrigo embora. Sorte que deu tempo de colher o que sobrou, algumas coisas pra lá de essenciais, ainda que alguém de fora jamais entendesse o porquê. Afinal, nosso mundo é tão utilitário e a magia (poesia?) tão inútilmente sublime...” Adaptado de um recorrente sonho de minha irmã



Na vida existe uma fase onde buscamos ávidamente o novo. Mesmo que alguns o façam a vida inteira, parece haver um momento onde nada ainda é fixo, as coisas vão caindo e vamos catando, desesperados e delirantes. E tudo parece eterno... Até quando as coisas vão se revelando como elas são. Você pode tentar tapar os olhos ou concentrar-se em outra coisa, mas está lá: ilusório, efêmero, mutável. É impossível nos fixarmos e isso gera neuras sem fim. Para sobreviver, muitos se anestesiam, outros se enterram em trabalho, alguns até enlouquecem ou se matam. Tudo por não conseguir se firmar. Mas há uma alternativa, assim como para a lagarta existe a mariposa.


O Louco sempre foi uma carta fascinante do tarô. Já escrevi um conto sobre ele, refleti um bocado nesses anos todos, já o usei indiscriminadamente em minhas narrativas sob as mais diversas máscaras. E claro, também já usei sua máscara e sei que o poder deste arquétipo é realmente algo de outro mundo. No entanto, em minhas análises, sempre foquei na incrível sorte do louco, algo similar a sorte das crianças e dos bêbados. Nisso e mais o fato de ser uma carta limiar no tarô, isto é, está antes do início de tudo, como um tipo de sopro criador que faz brotar o arquétipo das iniciativas poderosas: O Mago. E mais, vem depois da carta: O Mundo, que é um símbolo de equilíbrio e plenitude sem parâmetros. Por isso o chamo de “carta limiar”, pois trata-se de um arquétipo que se posiciona antes do início e após o fim de tudo.


Na figura do Louco, não importa em qual tarô, sempre haverá alguns elementos chave que não podem ser mudados. Três se destacam: O abismo sobre o qual ele cambaleia, sem jamais cair; o cachorrinho que o segue, muito fiel e o saco que carrega nas costas. Podemos imaginar o que o abismo representa, pois são muitos os perigos que o mundo nos traz e o louco sem muito pensar, vai seguindo despreocupado e, por incrível que pareça, não cai. Mas e enquanto ao cãozinho e o saco?


Vou começar pelo cãozinho. Já notou como eles de fato seguem mendigos, alguns bêbados e gente largada por aí? Embora ignoremos sua importância, ela saltará ante nossos olhos se dermos a esse símbolo sua devida atenção. Os cãezinhos de loucos são fiéis, isso é, não se importam com sua roupa, com o que você diz ou com o que os outros acham. Pode-se dizer que lhes dão amor, pois jamais os abandonam, os protegem durante o sono e servem de batedores durante as andanças. Certamente a presença do cãozinho é fundamental pra que o louco não caia em abismos assim de graça.


Certo, sabemos que o amor do cãozinho é incondicional, mas para garantir a sua compania é preciso algo mais. Trata-se de dividir com ele seu abrigo, seu alimento e sua atenção. Nesse ponto dá pra entender um pouco a importância do saco do louco. Dentro dele estão coisas essenciais, o verdadeiro alimento da alma, isto é, do cãozinho. Enquanto o louco mantiver o seu saco cheio deste alimento encantado, poderá sobreviver e manter o cãozinho ao seu lado, o qual continuará por guia-lo, ama-lo, acalenta-lo e o melhor, ajudando-o a farejar mais do essencial alimento, mantendo assim o ciclo. O louco só perde esse poder ao se esquecer disso, de cuidar de seu cão.


Conosco é a mesma coisa. Dá pra sobreviver ao mar do caos e evitar o abismo de neon se nos firmarmos na essência por detrás das ilusões, tomando o cuidado de guarda-las conosco em nosso “saco” e alimentando com ele nossa alma, o que a fidelizará e a manterá como nossa guardiã. Todos nós temos um cãozinho como este, ainda que o deixemos dormir na chuva ou a milhares de quilômetros de distância, esquecidos e largados. Ainda assim permanecerão fiéis quando com eles nos encontrarmos. Se perdeu o seu, prepare o seu saco e ele reaparecerá. E quando isso acontecer, continue a reabastecer o saco e alimenta-lo, que ele nunca sairá do seu lado e a jornada será certamente segura e inspiradora.


Mas o que colocar em nossos sacos de louco? Pense no que é essencial pra você: livros, filmes, fotos, música, pessoas, idéias, tudo. Mantenha sempre com você, se não físicamente ao menos firme nos pensamentos. Alimente-se disso todos os dias, sem falta. Resumindo: Não se esqueça do seu cãozinho, pois ele jamais se esqueceu de você.


Outra coisa que não poderia deixar de fora deste texto é o ponto onde esses pensamentos começaram a vir á tona. Estava pensando sobre a importância dos bardos para os celtas no mundo antigo e para toda a idade média logo após. Pois então, agora pensemos na importância da arte para um mundo capitalista e cheio de reverência á vazios bonitos de se comprar e pôr na sala de estar. Acredito que hoje os bardos sejam ainda mais importantes do que já foram, mesmo que não sejam reconhecidos. Para os aspirantes a bardos, o saco dos loucos é certamente ainda mais fundamental. A diferença que existe entre o louco e o bardo, no entanto é a mesma que diferencia o primeiro de seu arcano seguinte: o Mago.


O louco é inspirado e iluminado, mas não toma iniciativas importantes para o mundo. Já o mago é a iniciativa personificada, assim como o bardo, com sua arte ambulante. Deste modo, pode-se dizer que enquanto o louco guarda o conteúdo de seu saco para si e seu cão, o bardo faz o mesmo, mas não se esquece de dividir o conteúdo de seu saco e produzir ainda mais alimento para os que o rodeiam. Muitos não verão o que ele distribui, ou jogarão fora com o desdém de quem recebe panfletos de crentes na rua. Mas alguns se alimentarão... Consequência (quando dá certo): O mundo brilhará um pouco mais, com tonalidades novas e únicas, pois mais cãozinhos perdidos serão encontrados enquanto muitas porcarias serão convenientemente perdidas.


O que está esperando? Seja louco ou seja bardo, mas seja! Corra e vá fazer o seu saco!


1, 2, 3, agora!!!




quinta-feira, 1 de outubro de 2009

A Arte do RPG



Venho tentando abrir espaço em meio a tanto pensamento espremido, tanto cotidiano espremendo, tanto tempo que se esvai nos levando aos pouquinhos pra morte. Nossa Mãe, venho tentando faz uma data... E aqui estou... Finalmente começarei um texto (ou sequência de textos) sobre a mais underground de todas as manifestações artísticas. E não, não estou falando de quadrinhos... Mas de RPGs, ou Roler Playing Games. Traduzindo: Jogo de interpretação de papéis.

Nesses 15 anos como narrador, pode-se dizer que tenho alguma reflexão com base empírica, portanto não vou fazer tese de mestrado não, apenas um ensaiozinho dizendo o que penso, que já está ótimo. Primeiro vamos às polemizações que tenho visto com o passar dos anos. Entre aqueles que curtem o tema e sabem sobre o que se trata (ou que não curtem e não sabem) existem os que denomino de Curtidores, Artistas e Exorcistas. E não adianta dizer que se pode ser um pouco de cada, pois no fim das contas predomina uma visão ou outra.




Curtidores são aqueles que vêem no RPG um espaço para o mais puro entretenimento. Para esses, trata-se de um espaço para socializar, dar risada, beber, vivenciar histórias bacanas, mas enfim, não estão preocupados com aspectos estéticos e jamais viram neste jogo a possibilidade de uma manifestação artística. Na verdade os curtidores detestam a possibilidade de mesclar filosofia, existencialismo e outras inovações do gênero às suas aventuras povoadas de dragões, poderes encantados, guerreiros em masmorras, vampiros e lobisomens. Para os curtidores, inovar não importa, desde que se mantenha alto o grau da diversão, de modo que inovação para eles não passa de uma mudança de roupagem e um leve ajuste no tema.


Artistas são o outro lado dessa história. Trata-se daqueles que buscam algo mais no que jogam, transcendendo não apenas temáticas e enredos, mas mesmo regras, estruturas e seu próprio potencial narrativo, seja como narrador principal ou como os narrador-jogador. Faço parte desse grupo, pois sei que arte não é apenas o que está preso nos museus, passando nos cinemas, vendido nas livrarias etc, mas algo que engloba manifestações criativas de maneira universal, tendo como regra a presença constante da criatividade e da inspiração, além de um público por menor que seja. Quando se assiste a um bom filme ou se escuta uma música incrível e aquilo nos arrebata para além das esferas banais do pensamento, pode estar certo de que vivenciou, ainda que mais passiva do que ativamente, uma experiência artística genuína.




Num RPG voltado para a arte, o mesmo se sucede várias vêzes, embora com uma diferença fundamental: É mais ativo do que passivo, o que o diferencia de todas as demais manifestações criadoras, conseguindo a proeza de se mesclar mensageiro e receptor num só ser. Pode parecer pretensioso, e talvez seja, mas pra mim isso acaba dando margem pra que ele se torne o Santo graal das artes até então, pois além de ser pouco divulgado, de difícil acesso e impopular, ainda por cima tem a grande maioria de seus adeptos do lado dos Curtidores, o que dificulta aos novatos ver algo além de dados e pancadaria. Já para os que tem a sorte de chegar até a este Alto-RPG, porém, só posso dizer estes são privilegiados. Os primeiros apreciadores de uma arte que ainda é embrionária e cujo potencial é infinito.



Em última instância estão os Exorcistas. Existem pessoas que nunca ouviram falar nisso ou que simplesmente assumem não saber do que se trata. Mas os que denomino de Exorcistas acreditam mesmo saber do que falam, mesmo que tenham como única base notícias distorcidas de jornal (basta ver o acompanhamento da mídia quanto ao caso do assassinato ocorrido em Ouro Preto a alguns anos atrás) e em preconceitos morais e religiosos. Então, com base nisso, elas pregam contra, fazem protestos, entram na justiça, levantam tochas e seguem em frente! Destes tenho grande pena. Saber do que se trata e se posicionar ou meramente assumir sua ignorância quanto a um assunto é uma coisa, mas condenar cegamente é outra completamente diversa.




Tudo isso me faz lembrar da idade média, nos bardos e em toda a riqueza da tradição oral que a muito foi deixada de lado por essa humanidade letratada e imagética da qual fazemos parte. Era impressionante o quanto as palavras eram temidas e o quanto eram temidos aqueles que as manipulavam. As vezes acho que tudo isso está relacionado. Que o Rpg é o caminho para a Arte com A maiúsculo, pra mim já parece claro e sei que os que véem neste jogo algo que vai muito além de um jogo, conseguem ter um vislumbre similar. Os Curtidores se apegam tanto no fator "jogo" e nas questões do entretenimento, que parecem temer dar um passo além de si mesmos e possívelmente esse conceito os acompanha também em relação a outras manifestações artísticas e culturais. Temor semelhante marca os Exorcistas, mas eles levam esse medo às últimas consequências, levantando bandeiras e criticando o que não entendem. O temor e o poder que tal temor representa. A aura de superstição, que para alguns é vivenciada com intensidade, por outros é disfarçada pelo abafamento, muito conveniente, do entretenimento. Percebem o quanto tudo isso parece medieval?





Agora, podem vir com argumentos do tipo: "Ele deixa de fazer outras coisas para jogar RPG, trabalhar é mais importante que o RPG, deixa de namorar pra jogar RPG etc, oh, que terrível!" Certo. Mas se o sujeito fosse um músico, ainda que medíocre, todos diriam: "Veja, como é dedicado... deixa de fazer outras coisas para tocar sua música... ás vezes troca o trabalho e os estudos para se dedicar à música... Oh, como é dedicado..." Percebem a diferença? Não se trata de um ser arte e o outro não. Trata-se de bem e mal, luz e sombra, dinheiro bruto e inspiração pura... Enfim, preconceito.

Não deixo de amar música, literatura, teatro, quadrinhos, cinema etc, por causa da arte rpgística, mesmo porque me inspirar nelas (e usa-las dentro do jogo, mesclando tudo à narrativa) é fundamental para se chegar ao Alto-RPG. Mas afirmo com todo orgulho: No mundo da arte, já fui arrebatado por textos de Borges, poemas de Fernando Pessoa, músicas de Bethoven e Stravinsky, peças de Shakespeare e Nelson Rodriques, quadrinhos de Alan Moore, Neil Gaiman, filmes de Felinni, David Lynch e enfim, muitas outras manifestações altamente poderosas e inspiradoras. Mas houve experiências no campo do RPG que não só foram além, como também seriam intraduzíveis em outras áreas... Isso mesmo que você acabou de ler: Além! E é por isso que afirmo-o não como arte, mas como Arte! E truco!



Agora, se você quiser continuar a vê-lo como um nada que não contribuirá para o enriquecimento de sua vida e por isso não lhe interessa; uma tarde de diversão jogando dados e dando risada enquanto contam histórias juntos, mesmo que viva afirmando que isso não é mais importante pra você do que seu video-game; Ou pior, coisa do demônio! Queimem os livros, arranquem suas línguas com alicate etc... Tudo bem... O ônus será inteiramente seu!

Mas me enche de felicidade saber que, graças aos Deuses, não morrerei sem ter aprendido o prazer de ler um Guimarães Rosa, ouvir um Astor Piazolla tocando acordeon, dar deliciosos beijos na boca sob o luar, tomar um bom café vendo o entardecer e, claro: Ter sido apresentado ao bom e velho RPG e estar continuamente buscando dar um passo além dele, da mera diversão e dos dados.

Longa vida à mais antigamente nova de todas artes! Longa vida ao RPG!