terça-feira, 10 de julho de 2007

Para onde estão indo as lacunas?


“Preciso voltar e olhar de novo aqueles dois quartos vazios.”

Ana Cristina Cesar

Num discurso qualquer, não fazemos apenas a escolha do recorte daquilo que queremos expressar, mas também escolhemos as lacunas, buracos que quem irá preencher será o próprio receptor, através de sua imaginação e inteligência.

Recortamos de uma determinada área de conhecimento aquilo que achamos mais importante, seja para escrever um ensaio ou mesmo pra expor tal assunto á alguém. Mas há algo que jamais pode ser desconsiderado, que é justamente o receptor da mensagem. Tudo depende da imagem que tenho dele em minha mente. Por exemplo, em programas como Fantástico, podemos perceber que a Globo tenta universalizar ao máximo suas reportagens, de modo que ás vezes sentimos nossa inteligência subestimada ou mesmo insultada. Isso acontece justamente devido a essa tentativa de generalização do discurso “global”, que na maioria das vezes trata o telespectador como criança, visto que praticamente não deixa brechas para que possamos preencher com nossas próprias idéias, nossa imaginação.

Outro exemplo disso está no discurso explícito nos filmes de terror atuais, que em sua grande maioria, além de apresentar uma estrutura de roteiro completamente padronizada e clichê, ainda por cima apresenta seus monstros e assombrações por meio de recursos de computação gráfica e alta tecnologia audiovisual. Ao mostrar demais seus horrores, estes filmes limitam a imaginação de quem os assiste, pois, assim como o Fantástico, não deixa espaço pra que a mente de quem assiste possa imaginar e até mesmo (re)inventar o monstro em questão. O mesmo não acontece em relação á bons filmes desse gênero, onde muitas vezes o monstro nem sequer aparece, mas fica implícito (ver “Os outros” e “Bruxa de Blair”, por exemplo).



Tenho percebido que essa massificação do discurso sem lacunas, que tem permeado todas as áreas da mídia, das artes, enfim, da semiologia em geral, tem deixado o público mal acostumado. Nisso estou falando de música, cinema, literatura, quadrinhos, televisão e entre outras coisas. Quando uma pessoa vai á locadora e pede que o balconista lhe indique um filme, geralmente ela pede assim: “Quero um filme bom, de qualquer gênero, mas que seja excelente”. Se eu, como balconista, lhe indicar “Gilda”, que é um filme noir fantástico em todos os sentidos, então o cliente dará a provável seguinte resposta: “Esse não quero, pois é muito velho e é preto e branco”. Se então lhe oferecer algo como “A liberdade azul”, que é em cores e bem mais atual, a pessoa me dirá: “Esse é francês? Então não quero. Detesto filmes nacionais e estrangeiros!”.

Note que (e isso tudo estou falando por experiência própria como balconista) até agora, este cliente, que representa a grande maioria, quer um filme bom, mas que: a)não seja antigo; b)não seja preto e branco; c)não pode ser nem nacional, nem estrangeiro (e com estrangeiro querem dizer: qualquer coisa que não seja cinema de Hollywood). Se mesmo assim, consigo achar um filme que seja colorido, atual (do ano atual) e americano que seja de fato bom (roteiro criativo, atores legais, diretor dos bons etc), tal como “Efeito Borboleta”, então este cliente levará o filme pra casa, mas voltará reclamando que não gostou, dizendo: “Achei ruim, pois o filme é muito confuso”. Assim, podemos acrescentar mais um tópico ao critério do cliente padrão de uma locadora nos dias de hoje para um filme excelente:

d)o roteiro precisa ser convencional senão não presta.

Tudo bem, gosto é gosto. Só estou dizendo tudo isso pra justificar o que acabo de afirmar sobre um público mal acostumado. Tudo tem sido tão mastigado e uniformizado, que quando algo foge a esse padrão, deixando lacunas para que a pessoa pense ou imagine por si mesma, ela simplesmente ficará revoltada com a diferença e retornará á sua busca pela mesmice de antes.

Usei o exemplo da locadora por ser algo mais próximo da minha realidade. Mas para perceber isso nas outras áreas é muito fácil. Basta perguntar nas livrarias, observar as comunidades no Orkut, ligar a TV e o rádio. O senso crítico das massas está a cada dia mais anestesiado.



Para finalizar, só queria dizer que não devemos nos assustar ante aquilo que apresenta uma quase completa predominância das lacunas. A poesia, por exemplo, independente da área semiológica onde esteja inserida, simplesmente precisa disso pra que seja poesia. Caso contrário cairá no abismo da língua padrão, que apesar de necessário não passa de nosso cotidiano arroz com feijão. A poesia, bem como qualquer coisa que se denomine arte, tem a obrigação de fugir disso, sendo em algum nível inovadora e criativa, conseqüentemente nos deixando mil brechas para o pensamento.

Se o mundo acabar padronizando todos os discursos e isso for inevitável (claro que esperamos e faremos de tudo pra que não seja, certo?) que ao menos a poesia escape á regra, ou não teremos espaço algum pra respirar. Nenhuma lacuninha que seja.



4 comentários:

Anônimo disse...

Aí, de teórico da comunicação à balconista de locadora à defesa da poesia... gostei, muito bom...

Anônimo disse...

ah, é o karl tá... ahahahahha

Sussy Côrtes disse...

Olá Bil! Nossa!To muito feliz agora. Uma das lacunas foram preenchidas hoje: alguém, para quem eu não enviei o link, leu meu blog e gostou dos meus textinhos. E alguém que escreve muito bem.
Obrigada pelos comentários, me senti muito lisonjeada.Também gostei muito do seu blog e com certeza vou lembrar o caminho de volta para esse labirinto.
Feliz coincidência... coisas do google.;)

Anônimo disse...

intiresno muito, obrigado